Já se fazia tarde quando ela se levantou. Ainda sob as emoções do dia anterior, abre as cortinas para espiar o dia. Cinzento, sem vestígios do Sol, ao menos não chovia como ontem e a temperatura pareceu-lhe agradável para continuar de pijama.
Durante seu ritual matutino planeja possíveis atividades a serem feitas a tarde. Talvez um filme de Almadóvar só para faze-la chorar, coisa que não é preciso muito esforço. Talvez uma caminhada para mudar o habito sedentário. Pensou em fazer diversas coisas, mas nada fez. Voltou ao quarto aproveitando o silêncio da casa colocou uma musica que a faz sentir-se plena – O livro dos dias – Legião Urbana -, pegou um caderno velho, mas que ainda continham folhas em branco e começou a escrever.
Escrever o que sentia, a desconhecida dor, a esperança, as duvidas e angustias. Sabe-se que é alguém difícil de falar sobre sentimentos íntimos, prefere transmitir à caneta que minuciosamente conta ao papel, somente eles suportam os escarros e lamurias sem nada dizer ou julgar, apenas esperam cessar a angustia para então se transformarem em picados.
Pensa na influência dos signos do zodíaco. Tolice, quantas vezes acreditara em supostas previsões frustrantes. Percebe que precisa renovar as fotografias de seu mural e comprar uma cama nova. Talvez uma pintura e uma nova cor às paredes mudariam a energia e harmonizaria o ambiente. Prefere de cores suaves.
Muitos amores e nenhum amor. É a sua maior tristeza. Quando se concentra em um já não quer mais o que outrora almejava se pudesse ter um pedacinho de cada um para formar um único, aquele que tanto procura e espera.
Mania de perfeição. Ela entende que para o amor a perfeição é exata, torna-se perfeito o ser amado, mas enquanto não ama busca pela perfeição que dificilmente encontrará. O que a faria sentir-se completa seria um amor imperfeito ao seu conceito e perfeito à sua vontade de amar. Neste deleite não percebe o passar das horas e perto das cinco da tarde ainda está de pijama. Ela realmente estava confortável.
As vezes fico preocupada com o que eu enxergo do mundo, com o que os seres que nele habitam, fazem dele, este espetáculo de hipócritas mascarados que se julgam superiores, mas que na verdade não sabem ao menos diferenciar o belo daquilo que os olhos não podem julgar.
Pouco adianta mostrar-se indiferente, embora seja prudente.
O homem nasce selvagem. Doma-se a fera cultivando-a. A cultura nos transforma em pessoas, e tanto mais, quanto maior for a cultura. Com essa crença a Grécia pôde chamar o resto do mundo de bárbaro. A ignorância é rude e grosseira. Não existe nada mais educado que o conhecimento, mas o conhecimento, sem refinamento, é tosco. Não é apenas a inteligência que devemos aprimorar, mas também nossos desejos e nossa conversa. Alguns exibem um requinte natural tanto nos conceitos quanto as palavras, tanto no adorno corporal quanto nos dons espirituais. Já os outros são tão brutos que embaçam tudo, até mesmo suas qualidades superiores, por falta de refinamento.
Comporte-se com generosidade e você conseguirá muito mais. Não há aplauso que chegue para aquele que fala bem de alguém que fala mal dele, não há vingança mais nobre do que vencer e atormentar a inveja com o mérito e talento. Cada um de nossos sucessos será uma tortura para nossos desafetos, e nossa glória será o inferno para nossos rivais.
Trata-se do maior dos castigos: Transformar a felicidade em veneno.
O invejoso não morre apenas uma vez, mas tantas quanto o invejado é aplaudido. A fama duradoura para o invejado significa castigo eterno para o invejoso, o primeiro vive para sempre com suas glórias; o último, com suas penas. Os clarins da fama soam a imortalidade pra um e toque de silencio para o outro, condenando-o ao cadafalso da invejosa suspensão.



"O homem nada mais é aquilo do que aquilo que ele faz de si mesmo."
Jean Paul Sartre